Capítulo 34
Jun chegou à Terra das Cataratas
duas horas depois do planejado, o último voo atrasara. Tudo o que seu corpo
pedia era uma boa ducha e uma cama macia e cheirosa, mas ele não podia dar-se
ao luxo de dormir, ele tinha que ir atrás de Eloise.
Para livrar-se de sua mala, Jun
pediu que o táxi o deixasse no mesmo hotel em que estivera da outra vez.
Observou a grande suíte: era a mesma que estivera com os quatro amigos. A
decoração era praticamente igual à que se lembrava, adicionando uma coisinha ali,
mudando a colcha da cama... Ele quase se sentia em casa. Não resistiu e
enfiou-se sob o chuveiro. A água que escorria por seu corpo parecia carregar o
cansaço consigo, deixando-o mais leve.
Vestiu uma roupa confortável,
tomando o cuidado de carregar um casaco consigo, afinal, mesmo que não nevasse,
essa era uma época fria, mesmo que fosse o Brasil. E torcendo para que tudo
desse certo, deixou o hotel, chamando outro táxi.
– Pode me levar nesse endereço?
– Jun pediu, em português com um leve sotaque, entregando ao taxista um papel
com o endereço anotado caprichosamente.
Assim que voltou ao Japão, Jun
teve a brilhante ideia de aprender um novo idioma. Seria uma surpresa para
todos quando Eloise fosse para lá, mas isso nunca aconteceu. Durante os cinco
anos que se passaram, Jun se desdobrava para encaixar um professor particular
de português em sua agenda sempre lotada, tomando o cuidado para que ninguém
descobrisse. Nem mesmo seus amigos, afinal seria uma surpresa.
O táxi parou com um leve
solavanco em frente a uma escola. Jun sorriu, entregando ao taxista uma nota de
50 reais.
– Pode ficar com o troco. –
disse enquanto descia do carro – Obrigado.
Ele se perguntava se estava
alucinando ao pensar que a pequena Harumi o ajudaria com seu plano maluco, mas
era sua única chance. Tivera a ideia enquanto vasculhava os emails de Eloise,
encontrando lá o nome da escola em que a pequena estudava. Com uma breve
pesquisa, tinha o endereço em mãos. Constatou que em poucos minutos centenas de
crianças atravessariam aquele portão e entre elas estaria Harumi. Torceu para
que conseguisse reconhecê-la pelas poucas fotos que Eloise lhe mandou.
Quando as crianças começaram a
passar pelos portões, Jun observou-as uma a uma, até que avistou uma linda
mestiça de cabelos negros e olhos claros, levemente puxados, como os seus.
Sorriu, esperando que ela saísse do meio da avalanche de crianças.
– Haru ~mi! – Jun chamou, alguns
passos atrás dela, com um grande sorriso no rosto.
A pequena virou-se quase
imediatamente ao ouvir seu nome. Procurou quem a chamara e ao deparar-se com o
olhar esperançoso de Jun, teve certeza que fora ele. Depois de alguns segundos
em que observou-o curiosamente, Harumi aproximou-se e sorriu.
– Tio Jun! – exclamou, assustada
por vê-lo ali.
– Como você cresceu! – ele
sorriu, com medo de aproximar-se mais dela.
– Hm. – ela segurou a mão dele –
Veio pra me levar pra casa?
– Na verdade, não... mas se
quiser... – surpreendeu-se, sendo guiado por Harumi – Onde está sua okaasan?
– Procurando trabalho. – seus
olhinhos curiosos o encaravam profundamente – Mas hein, porque está aqui?
– Você sabe guardar segredos? –
perguntou.
– Sim! – Harumi quase deu
pulinhos quando ele falou em segredos.
– Então vou te contar um, está
bem? Mas ninguém pode saber! – advertiu.
– Fala logo! – Harumi
impacientou-se.
– Eu vim buscar você e sua
okaasan... mas eu preciso de ajuda. – Jun sorriu, observando-a
esperançosamente.
– Buscar? Pra ir pro Japão? – os olhos dela se iluminaram ainda mais.
– Isso mesmo! Você quer ir?
– Claro que eu quero! Mas acho
que a okaasan não quer. – o brilho de seus olhos sumiu e Jun percebeu que ela
se lembrara do pai.
– Haru, se você me ajudar ela
vai querer ir. – afagou-lhe o topo da cabeça.
– Mas tio Jun, desde quando você
fala português? – constatou, curiosa como só ela.
– Shiiiii, – levou um dedo aos
lábios – esse é outro segredo.
Durante o percurso até sua casa,
Jun contou o que queria fazer e pediu que ela levasse a mãe às Cataratas no dia
seguinte. Com um sorriso largo, Harumi concordou, sabendo que a mãe ficaria
mais feliz longe de todas aquelas coisas que lembravam seu otousan.
Chegando ao prédio em que elas
moravam, Jun beijou a testa da pequena, despedindo-se com um sorriso.
– Estou contando com você! –
acenou – E lembre-se de guardar segredo!
*-------------*
Jun não tinha certeza se Harumi
conseguiria não dizer nada, mas ela era a única aposta possível. Ele queria
surpreender Eloise. Seguiu o caminho até o Hotel a pé, lentamente. Não havia
mais o que fazer, agora ele tinha que esperar até o dia seguinte.
Em meio à avalanche de coisas que se passavam em sua mente, Jun
lembrou-se que ainda não havia ligado para Aiba. Quando Sho lhe disse que
Jéssika estava grávida e que finalmente aceitara o pedido de casamento de Aiba,
Jun nem conseguiu acreditar, mas aquela notícia acabou ficando em segundo
plano. Então, assim que chegou ao hotel, Jun vestiu um pijama largo, retirou as
lentes e pegou o celular, digitando todos aqueles códigos para ligações
internacionais antes do número de Aiba.
Era difícil um dia em que Aiba não estivesse alegre, mas só por sua voz
Jun percebeu que ele estava ainda mais feliz que o normal. Parabenizou-o e
perguntou como estava tudo por lá. Então lembrou-se do fuso horário, percebendo
que havia acordado o amigo. Desculpou-se, prometendo ligar no dia seguinte.
Novamente tomou uma ducha e ainda enrolado na toalha, adormeceu na
enorme cama de casal.
*-------------*
– Okaasan, vamos logo! – Harumi chamava,
impaciente, sentada na soleira da porta.
– Por que tanta pressa, meu
anjo? – Eloise perguntou, passando pela sala enquanto colocava o celular dentro
da bolsa.
– É que é mais legal cedinho. –
mentiu.
No som do carro tocou Arashi
durante todo o percurso. Antes que terminasse a introdução de My Girl, Eloise mudou de música,
visivelmente abalada. Ela sempre iria se lembrar de Kenji cantando-a para ela.
Harumi tratou de colocar uma música bem animada e começou a cantar junto,
tentando afastar aquela sombra que pousara sobre a mãe e logo estavam cantando
juntas.
Harumi puxou a mãe para dentro
de um ônibus e sentou-se, impaciente. Durante toda a trilha, praticamente
correu, fazendo com que Eloise seguisse seu ritmo. Somente quando estavam se
aproximando do mirante principal, Harumi diminuiu o passo.
Assim que puderam vislumbrar as
quedas com toda sua grandiosidade, Harumi soltou a mão da mãe e correu até as
grades de proteção. Eloise aproximou-se da filha, mas uma coisa lhe chamara a
atenção: um homem, próximo à Harumi... sua silhueta era familiar. Tratou de
afastar esse pensamento da cabeça, juntando-se à filha.
– Não é lindo, okaasan? – Harumi
disse, mais alto que o normal.
Então, o homem que Eloise
observara virou-se para elas, sorrindo. Seu olhar penetrante focou-se em
Eloise, exatamente como acontecera há mais de cinco anos atrás, quando
encontraram-se naquele lugar pela primeira vez. Ela não pode deixar de sentir o
coração acelerar diante dele.
– Bom dia! – Jun disse em
português, como se fosse uma simples coincidência se encontrarem ali.