Capítulo 5
– Face Down
– Merda! – Yuuki urrou. Os
airbags murchavam e a chuva já era uma garoa fina. Uma linha de fumaça saía
pelos lados do capô do carro.
– Obrigada por perguntar. Estou
bem. – Jun falou, desafivelando o cinto e tirando o celular do bolso.
– Ótimo. – Yuuki também pegou
seu celular – Eu ligo.
– Estou sem rede. – constatou –
Então é bom que seu celular esteja pegando.
– Não. – ela olhou para o
aparelho em suas mãos.
– Ela está levantando, maldita!
– Jun observava a vaca levantar lentamente e deixar a rodovia – Deveria ter
morrido!
– Temos que tirar o carro da
pista. – Yuuki lembrou, ignorando a vaca – Você empurra.
– Já que é só você quem dirige
seu carro mesmo... só tome cuidado pra não bater na árvore. – sorriu torto,
apontando para a única árvore à beira da rodovia, muitos metros a frente.
– Vai logo! – ela disse,
praguejando em mandarim.
Jun empurrou o carro até o
acostamento, a chuva ainda fina.
– Vamos ficar aqui? – ele
reclamou, sentando-se no banco do passageiro novamente.
– Vi um bar à beira da
estrada... não faz muito tempo. Deve ter telefone lá.
– Certo, vamos pra lá então. –
Jun pegou a mochila e jogou-a sobre os ombros.
Deixando o carro à beira da
estrada, os dois caminharam em direção oposta a que iam antes. A chuva aumentou
gradualmente, raios cortando o céu um após o outro.
– Você disse que era perto! –
Jun gritou para que ela o ouvisse sobre o barulho da chuva caindo sobre o
asfalto. Estavam totalmente ensopados, caminhando há mais de 30 minutos e sem
sinal do bar.
– Parecia perto... – Yuuki
resmungou, olhando para o chão. Os sapatos de salto estavam acabando com seus
pés e seus cabelos grudavam em sua face – de carro.
– Falei que era melhor eu
dirigir. – Jun repetiu, andando rapidamente. Sentia que todos os ossos do corpo
estavam congelando.
– Mas eu nunca bati o carro na
minha vida! – protelou, arrancando os sapatos e correndo para alcançá-lo.
– Incrível como as únicas duas
vezes que você bateu envolvessem a mim! – Jun ironizou.
– Urusai! – grunhiu, tentando
acompanhá-lo.
– Você é teimosa demais! – ele
apressou ainda mais o passo.
– E você é um idiota convencido!
– gritou – Se a pista não estivesse molhada eu conseguiria parar.
– Ou não, né?
– Fique quieto! Olha o bar ali.
– apontou um ponto luminoso.
– Ali? Temos uns bons
quilômetros pela frente até lá! – reclamou.
O resto do caminho, ficaram em
silêncio. Quando finalmente se aproximavam do local, Jun saiu em disparada. O
piso molhado da entrada foi o suficiente para que Jun escorregasse. Protegendo o
rosto, caiu sobre o braço esquerdo que imediatamente começou a doer.
Levantou-se reclamando, enquanto Yuuki o alcançava. Antes que pudesse dizer
qualquer coisa sobre o braço, um forte espirro o surpreendeu.
– Que delicado! Não pode pegar
uma chuva que já fica resfriado! – Yuuki falou entre risos.
– Urusai! – Jun disse, abrindo a
porta do estabelecimento.
Era surpreendentemente quente e
vazio. Uma senhora os recepcionou.
– Konbanwa! – cumprimentou-os,
apoiada ao balcão.
– Konbanwa. – ele resmungou – Posso
usar seu telefone? – foi direto, ignorando a simpatia da mulher, que sorria.
– Não funciona quando chove,
gomenasai. – a senhora os observava – Mas posso ceder o quarto do segundo andar
para vocês passarem a noite.
Yuuki estava parada atrás de
Jun, e o sorriso que antes ocupava sua face, havia desaparecido completamente.
– Vocês formam um belo casal. –
a mulher completou.
– De jeito nenhum. – os dois
resmungaram em uníssono.
Entre um espirro e outro, Jun
tentou negociar outro quarto, mas só havia aquele disponível. Ela levou-os
escada acima e mostrou-lhes onde ficavam os cobertores. Entregou-lhes algumas
toalhas e pediu que descessem para comer algo depois de tomar banho e vestir
roupas secas.
O quarto consistia em uma
pequena cama de casal, um armário onde ficavam os cobertores e uma janela que
dava para a rodovia, coberta por uma cortina de renda. O banheiro ficava na
porta ao lado. Era tudo muito pequeno, mas parecia limpo.
– Pode ir primeiro. – Jun
sentou-se no chão, apoiando o braço esquerdo ao peito. Os espirros vinham um
atrás do outro e seu braço latejava.
– Eu não trouxe roupas para
trocar. – resmungou – Pretendia voltar ainda hoje.
Jun abriu sua mochila e tirou a
camiseta de seu pijama, jogando para Yuuki em seguida.
– Eu quero de volta. – disse,
espirrando em seguida – Vai logo!
Após um breve olhar para a peça
de roupa que fora emprestada, Yuuki foi para o banheiro. Tomou um banho rápido
e vestiu a camiseta, que lhe cobria até os joelhos. Ao voltar para o quarto,
Jun ainda estava sentado no chão.
– Pronto. – anunciou, observando
Jun levantar-se e seguir para o banheiro com a mochila nas costas.
Enquanto colocava as roupas na
secadora, Yuuki pôs-se a conversar com a senhora, que cozinhava. O cheiro de
karê impregnava todo o ambiente.
– Ele está bem? – a mulher
perguntou, apontando para o andar de cima.
– Deve estar. – Yuuki falou,
pensando nos espirros.
– Acho melhor chamá-lo. – sorriu
– Está pronto.
Yuuki subiu reclamando por Jun
não ter descido sem ser chamado. Chegando ao quarto, percebeu que ele ocupava a
cama, enrolado a vários cobertores e tremendo.
– Você não acha que vamos dormir
juntos, né? – ela rugiu.
– Claro que não. – abriu os
olhos – Pode dormir no chão, se quiser.
– Certo. – resmungou – Agora
desça para comer.
– Não quero. – disse, espirrando
novamente.
Yuuki deixou o quarto,
carregando as roupas molhadas de Jun. Enquanto colocava-as na secadora, pensava
se haviam cobertas suficientes para que se aquecesse no chão. Informou à
senhora que ele não desceria e comeram juntas. O karê estava delicioso e
aqueceu seu corpo.
Encontrou Jun ainda tremendo
quando voltou para o quarto. Tirou todos os cobertores do armário e esticou
dois deles sobre o chão, um sobre o outro, simulando um colchão.
– Qualquer homem ofereceria a
cama para a mulher... – ela murmurou enquanto esticava as cobertas sobre o
colchão improvisado.
Jun bufou, levantando-se da cama
e jogando-se sobre a cama improvisada. Puxou os cobertores que sobraram sobre
si.
– Satisfeita? – outro espirro.
Ela jogou-se na cama e
cobriu-se. Estava quentinho onde Jun estivera deitado.
Os espirros dele não cessavam e
nenhum dos dois conseguia dormir. Yuuki permanecia imóvel na parte quente da
cama e Jun tremia na cama improvisada.
– Não consigo dormir com todo
esse barulho de espirros! – Yuuki reclamou, sem abrir os olhos.
– Eu estou com frio. – Jun
murmurou.
Alguns minutos se passaram até
que ele, ainda espirrando, levantou-se. Estava só com as calças do pijama, seu
peito nu. Com só um dos braços, começou a esticar as cobertas que usava sobre
Yuuki.
– O que está fazendo? – ela
abriu os olhos, observando-o.
– Eu preciso dormir. – Jun
deitou-se ao lado dela na cama – Fique quieta.
– Eu disse que não ia dormir com
você! – urrou, virando as costas para Jun.
– Urusai! – outro espirro – Se
eu não me aquecer, nenhum de nós vai dormir.
– Não encoste em mim. – ela foi
mais para a ponta da cama.
– Pode ter certeza que não é
isso que eu quero. – ele deu-lhe as costas também.
Em pouco tempo os espasmos de
frio e os espirros haviam sido controlados e Jun podia ouvi-la ressonar
calmamente. Apesar de estar finalmente aquecido, Jun sentia a garganta irritada
e o braço esquerdo doía cada vez mais. Mesmo cansado, não conseguia pegar no
sono.
Em meio ao seu sono calmo, Yuuki
virou-se na cama, ficando de frente para Jun. Pela primeira vez, ele pôde ver a
delicadeza de seus traços. Seus lábios pareciam macios e os olhos ternos.
Afastou os cabelos da face dela com um movimento suave, tomando cuidado para
não acordá-la. Pelo colarinho da camiseta, pôde ver uma pequena cicatriz em sua
clavícula.
Olhando para ela e controlando o
impulso de tocá-la, Jun finalmente adormeceu.
– Acorda! – Yuuki cutucou suas
costelas – Estão vindo nos buscar.
Jun abriu os olhos. O braço doía
ainda mais que no dia anterior.
– O telefone funcionou? – Jun
falou, a voz rouca. Sua garganta estava irritada e logo começou a tossir.
– Parou de chover e voltou a
funcionar. A obaasan preparou café para nós. – Yuukia vestia as roupas do dia
anterior – Suas roupas estão secas também.
Assim que Yuuki deixou o quarto,
Jun levantou-se. Escovou os dentes e se trocou, evitando usar o braço esquerdo.
Só de pensar em mexer, já doía. Quando Yuuki voltou, reclamando sobre sua
demora, Jun dobrava as cobertas usando um braço só.
– Está tudo bem com seu braço? –
Yuuki perguntou, percebendo que ele o mantinha junto ao peito.
– Só está doendo um pouco. –
continuou dobrando as cobertas, Yuuki pôs-se a ajudá-lo, os olhos fixos em seu
braço.
– Posso ver? – Yuuki aproximou-se
dele, assim que terminaram de dobrar as cobertas.
Enquanto Yuuki examinava o braço
dele, apertando de leve em alguns pontos, Jun mordia o lábio inferior,
contendo-se.
– Diga se dói! – ela disse,
percebendo que ele estava se controlando.
– Itai! – deixou escapar, quando
Yuuki tocou algum lugar próximo ao pulso.
– Pode ter quebrado. – disse,
por fim. Soltou o braço dele, que o encostou novamente ao peito.
– Ótimo, era tudo que eu queria.
– resmungou.
– Vamos voltar para Tóquio. –
Yuuki falou, saindo do quarto. – Desça tomar café.
– Mas eu preciso falar com a
Kazuma-san! –Jun seguiu-a.
– Eu disse que vamos voltar para
Tóquio. – ela parou no meio da escada e encarou-o – Johnny-san me
responsabilizou por você, e estou te levando de volta resfriado e com um braço
machucado.
– Maeda-san, está tudo bem. –
Jun falou, tossindo em seguida.
– Não consegue nem fingir que
está bem. – murmurou, dando-lhe as costas.
Yuuki comeu uma porção de arroz
e tomou o missoshiro. Jun recusou-se a comer, sua garganta doía. Em pouco
tempo, o carro enviado por Johnny Kitagawa chegou e os dois despediram-se da
senhora, entregando-lhe o equivalente a pernoite num hotel de luxo, que ela
educadamente recusou, repetindo que os dois formavam um belo casal e pedindo
que voltassem um dia.
O silêncio dentro do carro só
fora quebrado pela insistente tosse de Jun. Mais do que ficar doente, ele
odiava preocupar aos outros ou depender deles para algo.
– O motorista vai deixá-lo em
casa para se trocar e mais tarde eu passo te pegar. – Yuuki falou, quando se
aproximavam da casa de Jun.
– Pra quê? – Jun estranhou.
– Vou te levar no médico, já que
você não pode dirigir assim.
– Eu chamo um táxi. – disse,
entre dentes. Precisar de ajuda, era ruim, agora, ser ajudado por ela era
demais.
– Tudo bem, contando que vá
mesmo ao médico... – era de se imaginar
que ele não quisesse mais andar com ela depois do dia anterior.
– Mas e a Kazuma-san? – Jun
lembrou.
– Eu me viro com isso. Confie em
mim. – ela se perguntava se ele ficaria bem a tempo de gravar.
Depois de tomar banho, vestir-se
e tomar algum remédio para a garganta, Jun chamou o táxi. Só iria ao médico
para ver o braço, porque doía demais. O resfriado passaria logo.
Depois de uma série de exames, o
médico concluiu que era um fissura (uma fratura, mas não completa, e sem desvio
de osso). Imobilizou o braço com uma tipoia, receitou alguns remédios para a
dor e pediu que ele voltasse na semana seguinte. Jun, impaciente, perguntou
quando tempo levaria para ficar bom. O médico, sorrindo, disse que em duas
semanas estaria bem, se cuidasse.
Duas semanas podiam parecer
pouco para o médico, mas para Jun, era um grande problema.
Ao
deixar o hospital, tomou o cuidado de cobrir bem sua face com o boné e os
óculos escuros. Já era quase meio dia quando tomou o táxi para a JE. No caminho
para a empresa, seu celular tocou. Era Yuuki. Ele recusou-se a atender.
Sabendo que precisava falar com
o chefe, Jun foi direto para o escritório dele, ignorando os olhares curiosos
nos corredores.
A porta da sala estava aberta, e
Jun pôde ver Yuuki, ainda com as mesmas roupas, sentada em frente ao chefe.
Provavelmente correra para a empresa, explicar o que havia acontecido. Bateu
antes de entrar, atraindo a atenção dos dois.
– Como está? – Kitagawa
perguntou, os olhos fixos na tipoia.
– Vou ficar bem. – Jun sorriu.
Os remédios que tomara em casa acabaram com qualquer sintoma do resfriado, e os
que o médico receitara, diminuíram a dor no braço.
– O que o médico falou? – Yuuki
questionou, sabendo que Jun se fazia de durão. O olhar repreensivo de Kitagawa
sobre ela, estava incomodando à Jun.
– Senhor, Maeda-san não tem nada
a ver com isso. – Jun deixou escapar – Ela só estava me acompanhando.
– Isso não vem ao caso agora. –
Johnny aumentou o tom de voz – Não desconverse!
Jun repetiu tudo o que o médico
dissera. Passando a mão nos cabelos grisalhos enquanto suspirava profundamente,
Johnny Kitagawa marcou uma reunião de Kumiko com o Arashi, informando o que
acontecera com Jun e pedindo que reorganizasse sua agenda de modo que o
ajudasse a se recuperar o mais rápido possível.
Sem fazer questão alguma de
almoçar, Jun foi direto para a sala do Arashi. Voltou à leitura do script
enquanto esperava pelos outros. Depois que Kitagawa dissera que iria pessoalmente
falar com Kazuma-san, Jun sentiu-se mais confiante.
Cada um que entrava na sala,
perguntava o que acontecera com seu braço, e Jun se viu repetindo a mesma
história mais de três vezes. Kumiko pediu a cooperação dos outros quatro, que
concordaram de bom grado em assumir algumas das tarefas de Jun.
Eles evitavam olhar para Jun ao
fim da reunião. Ele bufava, e os quatro estavam cientes de que não haveria
agradecimento nenhum pela sua ajuda. Todos ficariam sobrecarregados, mas Jun
jamais agradeceria. Se normalmente era azedo, quando precisava dos outros, se
tornava insuportável.
Ao fim daquele dia, foi
informado que seu carro estava pronto, mas sabendo que não poderia dirigir,
acabou contratando um motorista.
Sho convidou-o para jantar com o
grupo na noite seguinte, pois ia apresentar aos amigos sua namorada. Jun disse
que talvez iria, afinal, queria saber como ela era.
Na gravação do VS Arashi, Jun
apareceu com o braço imobilizado, e Aiba, sorrindo, contou a história que
Kitagawa pedira: Jun havia se machucado ensaiando.
A caminho de casa, sentiu o
peito doer. Decidiu que não iria jantar com os outros, e mentiu, dizendo que
tinha outro compromisso. Tomou banho, agasalhou-se bem e enfiou-se sobre as
cobertas, o aquecedor ligado. Mesmo com tudo isso, sentia frio e seu peito doía
cada vez mais.
Desde que Jun deixara a sala do
chefe, no dia anterior, Yuuki não falara mais com ele. Jun não havia dito nada
sobre o resfriado para o chefe, e isso a preocupava.
Depois de um longo tempo andando
de um lado pro outro em sua sala, resolveu ligar, e caiu direto na caixa
postal.
No caminho até sua casa, quando
deu-se em conta, havia virado e seguia para a vizinhança de Jun. Tocou a
campainha algumas vezes, e sem obter resposta, voltou para o carro. Ela podia ver os dois carros dele na garagem,
o que a incomodava.
Desceu novamente do carro, e
tentou abrir a porta. Estava encostada. Deixou seus sapatos de salto no genkan
(lugar onde se deixa os sapatos em casas japonesas) e vestiu um par de
pantufas.
– Sumimasen... – falou, entrando na grande e
bem iluminada sala – Matsumoto-san?
Nunca havia entrado na casa de
ninguém sem ser convidada, mas o fato dele não atender ao celular nem à
campainha a impeliram a entrar.
Seguiu até o fim do corredor
chamando seu nome. A última porta estava entreaberta, e pela iluminação
proveniente da TV ligada no aposento, pôde ver Jun.
Ele estava enrolado em vários
cobertores e gotículas de suor escorriam em sua testa.
– Matsumoto-san! – Yuuki
exclamou, entrando no quarto.
Ele arregalou os olhos ao vê-la
entrar. Sua respiração estava entrecortada.
– O que está fazendo aqui? –
sussurrou, enquanto Yuuki colocava a mão sobre a testa dele.
– Você está queimando em febre!
– constatou, sem dar atenção ao que ele dissera. Pegou o celular – O que está
sentindo?
– Meu peito dói muito... – Jun
sussurrou, parecendo fazer um esforço enorme.
– Vou chamar uma ambulância. –
ela afastou-se, colocando o celular na orelha.
Jun esticou o braço bom e
segurou a manga da blusa dela. Enquanto ela informava o endereço, ele puxou-a
para perto de si e segurou sua mão.
– Fique comigo, onegai... – ele
sussurrou.
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